sexta-feira, 21 de março de 2014

Uma cura para Gregor Samsa



                Surgia o senhor da noite com a sua casaca velha, mofada e cheia de buracos que escapavam a luz ancestral de estrelas mortas.
                Contemplava o céu Gregor Samsa. Já fazia um mês que a sua imagem contemplava a mesma condição dos seres de casco e patinhas finas. Vivia ignorado num quartinho, o qual sua irmã limpava diariamente. Dialogava sua tristeza com as estralas. Triste por ter sido visto por sua irmã, que chegara ao quartinho e observara a figura...
                Durante aquela noite ouviu passos firmes... Seu pai? Será? Olhava par ao quartinho escuro e sentia medo. Um vulto ia surgindo.
- Já morri a algum tempo. Existe um espírito maior de todos chamado tempo, o qual permite que os filósofos caminhem por uma infinita seara da metafísica. No tempo e no espaço. Mas eu a chamo de liberdade, assim como chamei a vida de: vontade.
                Gregor não compreendia metafísica, mas, de alguma forma, compreendia a fala do homem.
- Chamo-me Schopenhauer, e você, jovem Samsa... É, para mim, a representação mais curiosa da vontade. Permite-me estudá-lo. Não como um naturalista, mas como... Como eu mesmo.
                O medo percorria o corpo de Gregor, suas patinhas mexiam-se sem sua vontade, ele andava por todos os lados. Aquele homem descabelado, um espírito? Mas o que é mesmo um espírito para Gregor. Como animal ainda teria um? Perdia aos poucos a noção das coisas. O quarto girava e aquele homem o contemplava com curiosidade, na verdade tinha feições rígidas e muitas rugas, parecia que vivia zangado.
- Quando escrevi O mundo com vontade e representação não deixei de acrescentar a vontade como algo intrinsecamente ruim, ou seja, a vontade é causadora de todas as dores, por isso considero a vida um sofrimento, viver é sofrer... Gregor! O seu mundo fenomênico tornou-se algo curiosos para minha teoria, sua idiossincrasias o tornaram este ente... Este ser! Magnífico.
                Afinal, o que dizia esse homem descabelado, seu sorriso o tornava, curiosamente, mais emburrado.
- Sempre declarei, que Kant me desculpe... Ah! Como se eu fosse sujeito de pedir desculpas! A razão pura é impotente quando encontramos criaturas como essas...
                O jovem Samsa pensava triste no que havia ocorrido pela manhã, ainda pensava em seu aspecto grotesco.
- Preciso ir agora, mas voltarei. Em todo caso, use o lençol da cama para se esconder quando ela vier.
                O homem descabelado sumiu assim com apareceu. Os passos firmes agora se distanciavam.
                Seguindo o conselho do filósofo, Samsa levou quatro horas para se esconder no lençol para não assustar Grete.
                Sua irmã pareceu gostar da nova atitude, Gregor dominava melhor o corpo e se divertia andando pelas paredes que ficavam cheias de rastros.
                Certo dia sua mãe e irmã mudaram os móveis de luar, com isso, a visão de sua antiaga vida distanciava-se cada vez mais. Nesse dia sua mãe desmaiou após vê-lo. Seu pai o espancou e jogou uma maçã que ficou cravada em suas costas.
Somente naquele dia Schopenhauer voltou ao aposento dele:
- VONTADE DE VIDA!                   
                Como assim vontade de vida? Estava com uma dor insuportável e queriam eliminá-lo já que se tornou um fardo.
                Os meses se passaram, toda a sua família cuidava do sustento da casa que antes era tarefa de Gregor com sua profissão de caixeiro. A casa tinha inquilinos que complementavam o orçamento. Uma faxineira velha e viúva cuidava da limpeza do quarto de Samsa. Onde estava sua irmã?
Certo noite Gregor por horas ouviu Schopenhauer:
- A felicidade reside ou no futuro ou no passado, o presente é como uma nuvem negra tampando o sol.
                Onde estaria a felicidade de Gregor?  No passado? No futuro? Que futuro teria o animal que deixa rastros pela parede?
- A desilusão desperta a convicção que nada em nosso laborar é digno de valor, que todos os bens são nulos, que o mundo em todas as partes entra em bancarrota e a vida é um negócio que cobre os seus custos – de modo que nossa vontade pode operar uma viragem. Diga-me, jovem, será que você era?
                Era? Feliz? Era feliz? Era miragem... Era amado? Era amado quando era. Quando não era inseto.
- O puro sujeito do conhecimento é destituído de vontade. O suicídio é a forma de destituição arbitrária de um fenômeno individual, você se suicidou a medida que destituiu-se do seu fenômeno individual e o tornou coletivo... Sabe, até os próximos séculos muitos interpretam mal minha posição em relação ao suicídio. O mesmo é, na verdade, o fenômeno coletivo de vontade dessa sociedade. E o indivíduo? Onde está? Tornou-se nulo, logo está morto. Mas você, apenas não se tornou o “puro sujeito”, tornou-se esta admirável criatura.
                Gregor se sentia bem ouvindo o filósofo. Era o único que ainda lhe dava atenção.
- Que é isto? Ouço um violino...
Era a irmã de Gregor que tocava tão bem...
- Adoro música – a maior expressão de vontade – completou – Sentimo-nos vingados pelo mundo heroico! – Você precisa escutar As Valquírias, meu caro!!
                Os olhos do filósofo vibraram numa contemplação ascética.  Gregor teria mandado a Irmã para o conservatório se não fosse... Não. Se ele ainda fosse.
                Foi em direção à música.  À quintessência da melodia. Suas patas faziam barulho.
Um dos homens viu a criatura e apontou na direção dele.
O violino parou.
O pai de Gregor tentou escondê-lo.
Houve agitação.
Gregor foi para seu quarto...
Seu pai estava furioso...
Gregor estava muito cansado.

·          

                Gregor abriu os olhos. Era de manhã. Schopenhauer sorriu do seu jeito.
- Levante-se, meu caro!
                Vários homens se aproximaram de Gregor e o cumprimentaram. Tinham roupas e aparências muito diferentes. Estavam numa seara dourada de trigo.

- Meu jovem, este é mundo numênico.
               
C.S.A. Linhares (direitos reservados)

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