Violetta e Lucíola: a mulher como metonímia e
sintoma da sociedade burguesa
Parte II
Em lugar de Lúcia: diga-se Lúcifer.
(Alencar)
Em La Traviata e Lucíola,
ambas as personagens são cortesãs de luxo, como já vimos. Entretanto, seus
pares apresentam algumas dessemelhanças, no caso de Alfredo Germont, trata-se
de um burguês originário da região sul da França, a Provença, e no caso do
personagem Paulo, um rapaz do interior que viera ao Rio de Janeiro para conhecer
não só a corte, como também ter as principais experiências de sua vida.
A
primeira vez que Paulo vê Lúcia, ele a julga como angelical. Contudo, após arrebatá-lo
em sua primeira noite de amor e no decorrer disto, ele passa a julgá-la como
vulgar e mesquinha, vivendo sentimentos contraditórios em relação à Lúcia da
cama e o anjo de luz, um misto de encantamento e repulsa... Tal sentimento
contraditório que apresentam a maioria dos homens ocidentais, em que a mulher
deve apresentar-se sempre pura, dependente e frágil, à semelhança da madre dei: casta ao mesmo tempo que
desejam as mulheres mais vulgares para satisfazê-los.
Lúcia
também partilha desse sentimento, é uma mulher objeto, mas tem sentimentos,
sofre por sua condição, sofre por ter a vida a levado aquele lodaçal. Ambos vivem
os sentimentos contraditórios de cada ser humano em relação ao amor e
sexualidade. Como diria Freud, uma sociedade que se reprime é uma sociedade com
pornografia. O recato e a porneia
caminham lado a lado, tornam-se inimigos, como se o amor puro inibisse o prazer,
bem como se o prazer inibisse o amor. Ou seja, o amor Eros, erótico, natural e saudável dá lugar a essa visão porneia.
Contudo
voltando-nos ao texto, há de se destacar a diferença entre a visão das
sociedades européia e brasileira, essa visão tem uma mudança sutil, sobretudo
no final de uma obra e outra.
Em La traviata, no segundo ato, Alfredo e
Violetta convivem na casa de campo dela. Contudo, em um dado momento ela recebe
a visita do pai de Alfredo (Giorgio), que pede que ela se afaste, pois o
convívio com o, bem como para não comprometer o casamento da irmã de Alfredo,
cujo noivo ameaçava romper devido ao escândalo na família.
O
mesmo se dá em Lucíola, em que a
personagem vende sua luxuosa casa e foi morar em uma menor e mais modesta. Assim,
em um dado momento do romance de Alencar, Lúcia, num ato de amor também
afasta-se de Paulo afim de protegê-lo de comentários e escândalos, passando a
ter uma atitude completamente devassa.
Já
no terceiro ato de La Traviata, Violetta, em estado terminal devido a
tuberculose, recebe uma carta do pai de Alfredo; com remorso de sua atitude
anterior. Contudo, ao ter de volta seu amor e a bênção do pai de Alfredo,
Violetta não restitui a sua saúde.
No
romance de Alencar, em uma das visitas de amor de Paulo, Lúcia engravida e adoece
devido ao seu estilo de vida, vindo a falece no parto. Percebe-se assim crítica
ao moralismo e ao preconceito da sociedade. O romance entre uma concubina e Paulo
parecia algo incoerente e ele se viu dividido entre o amor e o escândalo. A
atração física superou essa barreira, mas até o final ela se sentia indigna do
amor de Paulo e do sentimento de igualdade que deveria existir entre os
amantes. Ou seja, Lúciola, assim como intitula o romance, é um tipo de
mariposa que fica na lama. Ela não queria levar o seu grande amor para o lodo
para o qual sua vida foi levada. Assim, esse ato de amor a purificou da
devassidão. Seu corpo estava morto, mas sua alma se libertou. Esta é a grande
diferença com a ópera La Traviata.
Anna Netrebko & Rolando Villazón em La traviata
Na
ópera de Verdi, a burguesia da época teve a sua ética ferida com o perdão do
pai de Alfredo. Jamais, nem mesmo nos dias de hoje, alguma família aceitaria o
casamento de um jovem burguês com uma cortesã. Tais mulheres eram descartáveis.
"La Traviata" fracassou na estréia. A atitude hostil do público foi provocada pelo fraco desempenho dramático e musical dos cantores, o que evidenciou o desvio da ética burguesa contido no enredo. No ano seguinte, quando a ópera foi reapresentada, o novo elenco destacou o sacrifício de Violetta como o elemento principal do drama. "La Traviata" tornou-se então um sucesso.
Em ambas histórias
observa-se algo similar. Ambas precisam morrer. Assim como a gênese, o pecado
de Eva é maior que o dos homens. Ela deve carregar o salário do seu pecado – a
morte. O que você acha disso leitor? Como você reagiria em uma situação
similar?
Deixe seu comentário.
Bibliografia
ALENCAR, José de.
Lucíola. São Paulo: Ática,
1985.
BONTURI, João. Ópera "La Traviata" ajuda a
conhecer sociedade urbana do século. Folha Online Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u5641.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário